quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O massacre de inocentes na Faixa de Gaza evidencia que a violência na região é um dos maiores desafios para a paz mundial


Um massacre na Faixa de Gaza, no território palestino, invadiu as manchetes e os olhos do Ocidente. Desde 8 de julho, início da Operação Limite Protetor comandada por Israel, e até o fechamento da edição de setembro da revista Família Cristã – 19 de agosto – 2.016 palestinos morreram, entre os quais 541 crianças, 250 mulheres e 95 idosos, e outros 10.196 foram feridos. Do outro lado, israelenses confirmaram que cinco dos 64 soldados mortos em combate foram vítimas do chamado “fogo amigo”. Além disso, foguetes lançados de Gaza mataram três civis em Israel. Os dados, porém, podem mudar, pois seguidos acordos de trégua são desrespeitados. Entidades internacionais, chefes de estado e a Organização das Nações Unidas (ONU) apontaram como criminosa e desproporcional a ação de Israel, que já destruiu 65 mil casas – gerando 460 mil deslocados –, usinas de energia, rede de distribuição de água, sistema de esgoto, 150 fábricas, oficinas e centros de saúde. 
Escolas da ONU em Rafah, ao sul da Faixa de Gaza, onde famílias de refugiados palestinos se encontravam, também foram atacadas, e crianças, mortas. Mohamed al Jashef, de 10 anos, foi uma das vítimas, atingido quando saía da escola para comprar doces. Seu corpo foi colocado em um necrotério improvisado no consultório dentário da Clínica Kuwaití, de Rafah, que contava apenas com um freezer, emprestado de uma sorveteria. O exército israelense apenas admitiu que atirou contra “três terroristas”. O local onde o menino Mohamed foi assassinado estava habilitado como refúgio pela ONU e acolhia 2.700 civis palestinos dos quase 500 mil que perambulam por Gaza desde o início da ofensiva. Durante a operação, projéteis do exército ainda alcançaram diversos complexos da ONU e provocaram vítimas fatais. 

Violações – Segundo o governo israelense, a decisão de iniciar uma incursão terrestre pela região teve o objetivo de desarmar  militantes palestinos e destruir túneis construídos pelo grupo Hamas, que em árabe traz as letras iniciais de Movimento de Resistência Islâmica e denomina o mais influente grupo fundamentalista da Palestina, o qual controla Gaza. Os túneis seriam utilizados para realizar ataques contra Israel, que defende, também, o fim do lançamento de foguetes contra seu território e acusa os militantes palestinos de usar escudos humanos e realizar ataques a partir de áreas civis de Gaza. Os membros do Hamas negam. Afirmam que lançam foguetes contra Israel em legítima defesa, em retaliação à morte de partidários por soldados israelenses, e estão no direito de resistir à ocupação e ao bloqueio promovidos por Israel. Os túneis seriam a única forma para enviar produtos proibidos para Gaza, cujas fronteiras são controladas por Israel.

“Trata-se de um ato criminoso e de um ultraje moral por parte de Israel, que constitui brutal violação à lei humanitária internacional”, diz o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Em conversa por telefone com o presidente de Israel, Reuven Rivlin, a presidente Dilma Rousseff afirma que o Brasil condena e repudia ataques a Israel e, da mesma forma, reprova o uso desproporcional da força em Gaza, que levou à morte centenas de civis. Ela reitera a posição histórica do Brasil em todos os foros internacionais de defesa da coexistência entre Israel e Palestina, como dois Estados soberanos, viáveis economicamente e seguros. A posição causou espanto aos israelenses. “As autoridades brasileiras só veem um lado. Não vimos, uma única vez, qualquer menção ao Hamas. Nossa expectativa era de pelo menos uma palavra de simpatia, de compaixão para com os civis israelenses, que também estão sob fogo de foguetes e mísseis. Como sabemos, nenhum país do mundo atuou desta maneira”, registra, em nota, o governo israelense.

Agressões – O fato é que a Palestina é hoje uma região dividida em dois territórios: a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de cerca de 45 quilômetros. Originalmente, a área foi ocupada por Israel, que ainda controla as fronteiras. A Cisjordânia é governada pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), já reconhecida  internacionalmente e cujo principal grupo, o Fatah, é laico. Já Gaza é atualmente controlada pelo Hamas, principal grupo islâmico palestino que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e outras facções palestinas. Mas, como Gaza foi ocupada por Israel, seu exército não só mantém o controle de sua fronteira como restringe a circulação de serviços, mercadorias e pessoas, incluindo famílias como a do professor universitário Murad Qubba, sua mulher, Asmaa Alm, e os filhos, Abboud e Salma, de 4 e 8 anos, respectivamente.

Atualmente, a família vive no Arizona (Estados Unidos), sem autorização para voltar à Cisjordânia, um dos dois territórios palestinos cujas fronteiras são controladas por Israel. “As autoridades israelenses não permitem nossa permanência no local de onde veio meu marido. Este é o motivo que nos obrigou a vir para os Estados Unidos, para podermos manter a nossa família unida”, afirma Asmaa, que vê com horror a atual situação na Faixa de Gaza. “É uma agressão do Estado de Israel à população e à resistência palestinas, e o Hamas apenas tem respondido. Veja que 87% dos palestinos mortos são civis e 28%, crianças ou jovens com menos de 17 anos. E, por outro lado, todos os israelenses mortos eram soldados que estavam em Gaza”, desabafa.

Nakba – Asmaa nasceu em Benghazi, na Líbia. Viveu e estudou em Gaza até 1996. Seu pai se tornou refugiado em 1948, ano em que foi fundado o Estado de Israel. Nesse mesmo ano ocorreu a primeira grande guerra árabe-israelense, expulsando 750 mil palestinos de suas terras, operação denominada Nakba, que em árabe significa “catástrofe” e designa o êxodo palestino provocado pelo conflito. Assim como seu pai, naquele ano, décadas depois, Asmaa deixou casa, família e amigos na cidade que hoje está em chamas. “Meu pai, minha madrasta, irmãos, primos, tios e muitos amigos vivem em campos de refugiados em Gaza. Alguns deles podem estar sofrendo ataque agora, outros perderam suas casas. Estamos tristes e preocupados. Continuamos acompanhando as notícias e seguindo os amigos pelo facebook para checar se permanecem vivos e em segurança.” A reportagem da Revista Família Cristã buscou contato com a família de Asmaa, mas não foi possível, tendo em vista a falta de energia na região – a principal usina foi destruída pelos israelenses.

A estudante Malaka Mohammed, de 23 anos, também está aflita com a falta de informações de amigos e familiares. Natural de Shijaia, leste de Gaza, área mais próxima às fronteiras israelenses, ela deixou seu país em setembro de 2013 e hoje mora em Londres, Inglaterra. “Meus pais e parentes estão em Gaza e soube que estão vivos, mas o que eles passaram foi indescritível. Meus irmãos e irmãs mais jovens continuam traumatizados. Eu ainda preciso chorar, não de fraqueza, mas de dor pelo que meus irmãos mais novos tiveram de suportar”, conta Malaka, que perdeu seu melhor amigo em um dos ataques.

É difícil para Malaka e para Asmaa – como de resto para qualquer um – se conformar com tal situação, antes de tudo considerada injusta. “O Hamas é um movimento político e de resistência nacional. Foi eleito democraticamente em 2006 com mais de 70% dos assentos no Conselho Legislativo Palestino. No entanto, Estados Unidos, Israel e muitos países ocidentais se recusaram a aceitar este resultado, impondo o cerco e um bloqueio apertado em Gaza como um castigo coletivo contra o povo e a sua escolha”, afirma a mãe de Abboud e Salma, que também critica a mídia ocidental que sempre tenta vincular o Hamas com movimentos extremistas islâmicos. “Definitivamente, esta é uma grande mentira e uma falsa propaganda”, argumenta.


PONTO POR PONTO

Veja a seguir os principais motivos da discórdia entre palestinos e israelenses:

• A demora na criação de um Estado palestino independente.
• Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a cidade inteira (sagrada para judeus, muçulmanos e cristãos) e afirma que a cidade é sua capital eterna e indivisível. A reivindicação não é reconhecida internacionalmente. Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou o Setor Oriental de Jerusalém, e os palestinos reivindicam essa parte da cidade como capital.
• Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro Estado seja delimitado pelas fronteiras anteriores, a 4 de junho de 1967, antes do início da Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental. Israel rejeita.
• Assentamentos: ilegais sob a lei internacional, mas construídos pelo governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de 1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos judeus.
• Refugiados: a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) afirma que os 10,6 milhões de refugiados palestinos – metade dos quais registrados na ONU – têm o direito de voltar ao território que é hoje Israel. Para Israel, permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu.

Fonte: Família Cristã 945 - Set/2014 / www.paulinas.org.br/

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